Uma história character driven tem mais poder do que uma plot driven. Por quê?

Sabe quando a gente termina um livro e semanas depois já não consegue lembrar o nome dos personagens e nem o que se passou na história direito?

Provavelmente isso aconteceu porque essa história não era character driven, mas plot driven. Ou seja, era uma história mais focada em acontecimentos do que nos personagens em si.

Uma história focada nos personagens explora a jornada do protagonista e faz o plot servir a esse favor. Ela nos mostra uma pessoa lidando com problemas externos, conflitos internos e crenças para chegar onde precisa.

Já uma história focada no plot apresenta uma série de eventos que acontecerão independente de o protagonista ser a pessoa X ou a pessoa Y. Nesse tipo, os personagens servem ao plot e assumem uma posição muito mais passiva.

E embora sejam histórias com objetivos diferentes sendo contadas de forma válida, independente do tipo que se escolher, apenas uma delas tem a maior chance de nos marcar enquanto leitores.

Sabe por quê?

Histórias character driven mexem com as nossas emoções

Nós somos seres humanos e, embora sejamos muito diferentes um do outro socialmente, os nossos cérebros e a maneira como nós funcionamos no nível emocional é bastante parecido.

O ser humano precisa de laços, foi assim que nós conseguimos nos desenvolver e formar sociedades.

Foi criando laços emocionais e econômicos que nós passamos da sobrevivência para a vivência. O lugar para onde isso nos trouxe hoje, essa “evolução” constante, é um pouco controverso, mas a ideia é que foi a nossa capacidade, e necessidade, de criar elos emocionais que nos trouxe até aqui.

E essa capacidade se apresenta especialmente pela identificação e pela criação de lembranças.

Se a jornada de um protagonista ou seu conflito interno nos tocam de alguma forma, nós criamos uma identificação e, por consequência, uma lembrança envolta em emoção (lembra de Divertidamente?).

São as nossas emoções que fazem uma história importar para gente, por isso é muito mais fácil um leitor lembrar de um livro por causa da jornada de uma pessoa do que por um evento mesmo que esse leitor tenha vivido algo parecido.

É como o protagonista se sentiu que importa.

Nós não nos importamos com a invasão alienígena ou com o naufrágio de um barco, mas como o protagonista e os personagens ao redor dele se sentem diante disso e reagem a isso.

Um exemplo muito bom de uma história character driven é Flores para Algernon, do Daniel Keyes.

O plot está acontecendo ao fundo da história e é bem interessante (envolve uma cirurgia que aumenta o QI), mas o que importa mesmo é como Charlie, o protagonista, está se sentindo, suas experiências antes, durante e depois da cirurgia e como é a relação dele com as pessoas ao redor.

Nesse sentido, o plot do livro serve para nos levar na jornada do Charlie e não para ser o guia da história. Por exemplo, a cirurgia de aumentar o QI apenas existe na história, e os médicos e estudiosos que o Charlie conhece, porque a gente precisa vê-lo passando por aquela transformação.

A ideia, então, é que para gerar essa identificação e marcar pela emoção, você desenvolva o plot a partir da jornada do personagem, e não o contrário.

Por isso, a lição que fica é: antes de começar a contar uma história apenas porque você pensou em um evento inédito e interessante, pense em quem estará vivendo esse evento.

Pense em como esse evento vai importar para essa pessoa, como vai transformá-la e como esse evento pode acabar refletindo o conflito interno dela e suas crenças.

Livros são escritos para pessoas lerem e, apesar de os eventos serem parte essencial de uma história, nós não queremos ler sobre eventos. Nós queremos ler sobre pessoas.

Por isso, da próxima vez que for escrever o outline de um livro que você quer que marque o leitor, escreva uma história character driven.

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