Estou trabalhando no manuscrito de um romance que se originou de uma fanfic de Harry Potter.
Lá em 2011, eu publiquei uma história na Floreios e Borrões que acompanhava Rose Weasley em um universo alternativo. Ela era uma pesquisadora agora, que precisou voltar para a casa da mãe ao se deparar com dificuldades financeiras.
Eu sempre tive muito apego nessa história, então, em 2019, resolvi transformá-la em um livro original. Aproveitei o período de NaNoWriMo para escrever toda uma primeira versão da história e atualizei tudo o que precisava. Troquei as varinhas pelos celulares e a rede de flu pelos automóveis. Com a pandemia, esse original acabou ficando esquecido.
Então, em 2024, resgatei essa história para revisar e me deparei com um mundo completamente diferente.
Aquela versão escrita em 2019 me mostrava um mundo sem um trauma recente, sem influenciadores e sem a força da internet no mundo corporativo. Foi como entrar em uma máquina do tempo ao perceber que o home office não era uma opção e todas as famílias permaneciam intactas quanto ao trauma de perder um parente para a Covid-19.
Foi mais estranho do que eu achei que seria. Especialmente porque eu nunca julguei que tivesse ficado traumatizada pelo período.
Para minha sorte, eu não perdi ninguém próximo para o coronavírus, nem mesmo cheguei a pegar Covid-19, então achei que tinha passado ilesa. Olhar para aquele manuscrito, entretanto, me fez perceber que nada disso importava e a minha visão de mundo era outra em comparação com a versão de mim que escreveu o original.
Não sei explicar exatamente o que mudou, mas o sentimento que tenho ao ler o que escrevi em 2019 é de atraso, de falta de direcionamento.
Pode ser apenas uma impressão ou memória ruim, porque era nesse manuscrito que eu trabalhava quando a primeira quarentena começou, mas parece uma história desconectada da realidade.
Por isso, eu precisei mudar, especialmente no que se refere às consequências da quarentena e da internet na vida das pessoas.
Agora, minha protagonista não ficou sem trabalho porque foi demitida, mas porque a empresa dela passou por layoffs por causa da pandemia. Ela não tem dívidas só porque o aluguel é caro, mas porque ela pede bastante comida por aplicativo. Ela não dá aulas de inglês presenciais, ela tem um perfil de professora em uma plataforma.
O que eu não vou conseguir fazer, até porque é um pouco desrespeitoso, é utilizar essa sensação que eu tive na narrativa.
Não vou mencionar parentes perdidos para a Covid-19 e nem a legião de pessoas antivacinas que ainda existem. Essa não é uma história sobre os impactos do coronavírus, afinal, é só uma trama manchada pelo meu trauma por causa da pandemia.