As coisas mais legais da 4ª temporada de Black Mirror

A mística de Black Mirror sempre esteve em observar a mente humana em pleno funcionamento e assistir como os seres humanos se relacionam com o mundo seu redor.

A série criada por Charlie Brooker, e agora produzida pela Netflix, nunca foi uma antologia sobre tecnologia, mas sobre nossa reação a ela e nosso comportamento diante dela.

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A sociedade e as tecnologias da 4ª temporada de Black Mirror

Quando somos apresentados a um mundo onde um sistema de avaliação é quem decide quem é confiável ou não, não estamos discutindo os benefícios e malefícios da tecnologia.

Na verdade, estamos discutindo nossos valores e até onde a humanidade pode ir para ser aceita e amada.

Podemos perceber essa dinâmica logo no primeiro episódio da série e, talvez, o mais impressionante de todos pela simplicidade tecnológica.

Em nenhum momento, The National Anthem fala como as redes afetam a dinâmica humana. E nem em como elas influenciam uma geração.

O episódio foca, na verdade, em como todos ficamos olhando para telas e narrativas, hipnotizados, em vez de prestar atenção ao que acontece ao nosso redor.

O pior é que ver a narrativa “absurda” na tela acaba nos fazendo entender que esse é um comportamento com o qual nos relacionamos.

É por isso que a maior parte das histórias de Black Mirror são assustadoras. Ao assistir à quarta temporada, talvez fraca em alguns conceitos, mas genial em outros, eu resolvi escrever essa lista.

Aqui vão as coisas mais legais da 4ª temporada de Black Mirror:

1. Vimos o nascimento de muitas tecnologias

Talvez uma das coisas mais legais desta 4ª temporada de Black Mirror tenha sido ver os primórdios de várias tecnologias mostradas na série.

A ideia de cronologia e evolução tecnológica já existia antes da quarta temporada, quando os fãs juntavam informações de episódios distintos para interligar tecnologias, mas agora podemos ver algumas destas ligações com mais clareza.

Crocodile nos traz uma tecnologia muito rudimentar que permite que as memórias de uma pessoa sejam escrutinadas, mas de uma maneira muito diferente de como vemos em Entire History of You.

Enquanto no terceiro episódio da primeira temporada, vemos uma memória que pode ser gravada, rebobinada e dividida, em Crocodile quem está em posse do aparelho apenas vê o que quem tem a memória revirada consegue lembrar ou quer mostrar.

Em Arkangel podemos ver o que poderia se tornar futuramente a tecnologia usada em White Christmas e Man Against Fire.

E em Black Museum acompanhamos a evolução de uma das tecnologias mais adoradas da série: a transferência de consciência, mostrada em diversos episódios, como U.S.S. Callister, White Christmas e San Junipero.

2. Discussão de limites e privacidade

Trazer a ideia de limite e de privacidade não é novidade em Black Mirror e nem em outras obras que abordem tecnologia, mas a quarta temporada da série teve um grande foco em questionar os limites da tecnologia e o que é considerado privacidade em tempos em que tudo está online.

Temos perfis em incontáveis redes sociais e é praticamente uma ofensa que um perfil de Facebook seja privado aos amigos — como se aquilo que está na rede não pudesse ser público.

E vários episódios da quarta temporada trazem esta questão.

No episódio U.S.S Callister, Daly clona seus funcionários para usá-los em seu jogo de imersão online sem se preocupar com as consequências de transferir a consciência de pessoas vivas para seu próprio divertimento.

Em Arkangel, Marie instala um dispositivo de segurança no cérebro da filha que a deixa ver tudo o que a menina enxerga e que dá reportes sobre tudo o que acontece biologicamente com a criança.

Crocodile, a memória das pessoas (e animais) é investigada como se fosse uma filmagem de segurança para descobrir a verdade sobre um crime.

3. Empatia

Black Mirror sempre trouxe empatia em seus episódios, especialmente porque muitos deles são essencialmente cruéis com seus personagens, seja um ser humano biológico, sintético ou uma existência feita de código.

Embora a série esteja bastante baseada em empatia, desde seu primeiro episódio, a quarta temporada veio recheada de momentos plenos de tensão em que nos agarramos à cadeira e nos perguntamos o que faríamos se ali fossemos nós.

O que faríamos se fossemos transformados em um personagem de vídeo game e precisássemos obedecer a um líder tirano?

E se fossemos obrigados a confiar em um sistema de relacionamentos que dá data de validade às relações? O que faríamos se estivéssemos sendo caçados por cães de metal num mundo devastado?

No final de tudo, entramos em parafuso, tentando achar soluções para essas situações e tentando imaginar o que aconteceria conosco e isso é um trunfo muito grande de quem conta histórias.

O episódio desta temporada que, talvez, mais deixa essa sensação é Black Museum.

Uma cópia da mente de um assassino está presa em um museu, onde sua morte é recriada a cada cinco minutos e sua consciência experimenta aquela sensação terrível pela eternidade. O que você faria?

4. Direitos de seres feitos de código

Esta é uma questão antiga de Black Mirror e que persegue os fãs desde White Christmas e sua desumana história sobre Cookies (cópias da mente humana que existem apenas em código de computador, mas que tem sua consciência intacta).

Um programa de computador tem direitos? Uma cópia da sua consciência é uma existência ou apenas uma cópia?

E se essa cópia falasse e conversasse como qualquer outra pessoa, e se ela interagisse com você como um amigo faz… ela ainda seria apenas um programa de computador?

É interessante notar que a resposta para estas questões está, intimamente, ligada à empatia.

Em White Christmas, o Cookie nos é apresentado primeiramente como um dispositivo eletrônico com uma voz, quase como uma cancela de shopping.

Até aí tudo bem, o problema é quando o Cookie ganha um corpo e começa a interagir com o espaço e o efeito espelho surge.

A partir daí, uma cópia ganha direitos, pois se parece com uma pessoa. E parece ter sido exatamente esta questão que motivou Black Mirror a nos apresentar o direito dos seres de código.

Em U.S.S. Callister, Nanette diz que a Ciberpolícia lidaria com Daly pelo crime de clonar pessoas, mesmo que tenha apenas clonado seu DNA para um programa de computador.

Em Black Museum, descobrimos que a transferência de consciência é ilegal, imoral e que existem pessoas tratando legalmente do direito de códigos.

Aos poucos, vamos percebendo que, de acordo com Black Mirror, o fator que nos faz ser humano é a nossa consciência.

5. Ver o fim do universo

A linha temporal da série é uma bagunça tremenda.

Aliás, a ideia de que esse universo inteiro está interligado foi algo criado por fãs e incorporado nesta 4ª temporada de Black Mirror.

Porém, acho que todos podemos concordar que The National Anthem marca o início de tudo.

O primeiro episódio da primeira temporada apresenta um mundo exatamente igual ao nosso, com as mesmas tecnologias e a mesma maneira de lidar com elas.

Ele abre caminho para infinitas possibilidades e nos deixa a pergunta no ar: como tudo isso pode terminar?

Em Metalhead. Um mundo devastado onde todo e qualquer ser humano é caçado por máquina soa como uma cópia plena de O Exterminador do Futuro.

Mas sejamos sinceros, de que outra maneira o apocalipse de um mundo tecnológico poderia acontecer?

Metalhead é um episódio de narrativa lenta, contado totalmente em preto e branco e não dá resposta nenhuma. Mas ainda assim é um episódio que me deixou fascinada pela quantidade de arestas.

Bella fazia parte de um grupo de resistência e estava atrás de uma caixa de ursinhos de pelúcia escondidos em um galpão.

Ela, então, foge dos cães de metal que caçam seres biológicos.

E termina por se suicidar em uma casa abandonada quando vê que não conseguirá cumprir com sua missão de levar a última esperança a Jack.

Existem muitas perguntas, mas “porque Bella estava atrás da caixa de ursinhos de pelúcia?” é a maior e a mais complexa.

Será que a última esperança de Jack era ter sua mente transferida para um ursinho de pelúcia (numa informação que só entenderíamos depois de ver o sexto episódio, Black Museum) ou será que Jack era uma criança que estava morrendo e precisava se alegrar com alguma coisa?

Acho que nunca teremos uma resposta para isso, mas a ideia de que o mundo devastado de Metalhead é o fim da linha temporal de Black Mirror nunca fez tanto sentido.

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