Como LoveStar, de Andri Snaer Magnason, se perde na ambientação

A primeira impressão que eu tive sobre LoveStar, livro do islandês Andri Snaer Magnason, é que ele era um típico episódio de Black Mirror.

Inclusive, a sinopse é bastante parecida com o episódio Hang the DJ, da quarta temporada da série. Porém, as semelhanças param aqui.

A história e a ambientação de LoveStar é muito diferente, talvez até um pouco… estranha, mas muito interessante.

Eu desconfio que essa estranheza venha de o livro ser escrito por um autor nascido e criado na Islândia, um país de cultura muito diferente da nossa e das culturas americanas e inglesas que estamos acostumados a consumir.

LoveStar traz um universo tecnológico que afeta de maneira irreversível a vida de seus personagens, trazendo questões para nos deixar pensando sobre nossa própria experiência com a tecnologia.

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O livro de Andri Snaer Magnason corporativiza sentimentos

LoveStar fala sobre amor, tecnologia, ciência, deus, marketing e como todas essas coisas afetam o nosso dia a dia.

A história se passa em uma Islândia do futuro, altamente tecnológica, onde uma super corporação fundada por um homem visionário e megalomaníaco, chamado LoveStar, é líder em dois grandes pilares da vida humana: a morte e o amor.

Nesse mundo, essa empresa, a LoveStar, revolucionou a maneira como os seres humanos se despedem de seus mortos.

Ninguém mais é enterrado ou cremado. Os corpos são colocados em um foguete e lançados para o espaço, queimando como fogos de artifício no caminho.

A LoveStar também tem uma divisão que lida com o amor, onde eles estudam todas as informações genéticas e comportamentais das pessoas para unir casais perfeitos e bem alinhados.

Nesse mesmo universo, a LoveStar também controla nascimentos e permite que seres humanos tenham segundas chances de nascer.

Se uma criança é uma pestinha, os pais podem devolvê-la e receber uma nova versão dela de volta, uma mais comportada.

Também existe neste universo um programa chamado REGRET, no qual seres humanos podem acessar dados para descobrirem se eles tomaram uma decisão certa ou não.

Funciona mais ou menos assim: uma pessoa não sabe se devia pegar esse ônibus ou o próximo. Então, ela deixa esse passar para pegar o próximo e acessa o REGRET para descobrir se fez certo.

O REGRET, então, calcula as consequências e diz para ela que estava certo, que ela morreria num acidente se pegasse aquele ônibus.

Em meio a tudo isso, um casal que não consegue ficar junto

Eu trouxe essa descrição sobre as principais tecnologias sociais que existem no mundo de LoveStar para dizer que em meio a tudo isso vai acontecer uma história de amor.

Em meio a essa sociedade complicada e influenciada pela tecnologia, Indridi e Sigrid estão apaixonados e vivem juntos, mas não foram testados ainda.

Isso significa que eles não sabem se são almas gêmeas porque nunca pediram para a LoveStar avaliar sua compatibilidade.

Os personagens não precisam disso, eles têm certeza de que são almas gêmeas, e nós acompanhamos a história deles se desenrolar envolta de dúvida.

Será mesmo que eles são almas gêmeas?

Um dia, Sigrid resolve tirar essa dúvida e nós acompanhamos o perambular dos dois nesse mundo, conhecendo o dia a dia de pessoas comuns que tem que lidar com as tecnologias da LoveStar.

A verdade é que a história de Indridi e Sigrid não é tão interessante e, por isso, ela acaba se perdendo em meio ao universo fantástico criado pelo autor.

Porém, acompanhar as andanças de Indridi pela Islândia enquanto ele corre atrás de Sigrid nos mostra os efeitos desse universo.

Nós conhecemos uma senhora que está há dias tentando pegar um ônibus e não consegue porque fica presa às previsões de morte do REGRET.

Nós acompanhamos o dilema interno de um homem contratado por uma empresa de marketing para fazer marketing boca a boca numa experiência horripilante.

Nós conhecemos as diversas maneiras que as tecnologias da LoveStar podem manipular o ser humano e nós acompanhamos a queda desse universo, a grande tragédia das últimas páginas.

Mas nós não acompanhamos apenas a história de Indridi e Sigrid, nós acompanhamos também a nova empreitada do empresário LoveStar.

LoveStar em busca de Deus

Na segunda linha narrativa que acompanhamos, vemos o empresário LoveStar tentando criar uma nova tecnologia.

A nova obsessão desse homem é descobrir para onde vão as orações que os seres humanos fazem quando rezam para Deus.

Por isso, ele cria uma máquina que consegue identificar as ondas que saem do corpo humano no momento de uma oração e segue essas ondas até o local onde, supostamente, estaria Deus.

Tudo isso porque o empresário quer criar um novo braço para sua corporação, a LoveGod.

Ele quer que esse novo braço seja uma empresa de proteção, um serviço onde as orações se tornam mensagens de socorro e anjos se tornem agentes da lei. Por exemplo, uma pessoa está sofrendo um assalto e faz uma oração.

Nisso, aparecem os anjos para salvá-la. É uma empreitada completamente inesperada e completamente diabólica, mas é genial.

Eu nunca tinha visto uma obra de ficção científica tratar Deus dessa maneira, trazendo uma abordagem mercadológica tão literal, então fiquei muito impressionada.

Porém, o livro de Andri Snaer Magnason é engolido por seu próprio universo

Como deu para perceber até aqui, o livro de Andri Snaer Magnason é imenso.

Tem um universo próprio que é muito interessante de adentrar e tem um personagem megalomaníaco que é interessante de ler. Porém, infelizmente, a história do livro é engolida pela criação da ambientação.

LoveStar é um livro fisicamente pequeno, tem 336 páginas, e por causa disso, não consegue comportar uma grande história dentro de si. Até 25% do livro, por exemplo, nós não temos nenhuma ação, apenas informação, infodump puro.

Os cortes entre as duas linhas narrativas, do empresário e do casal, acaba tendo um ponto positivo, mas também negativo.

Enquanto nos mostra o impacto direto da tecnologia no dia a dia, nos afasta da mente do criador desse mundo, tirando o prazer de ver os bastidores.

O livro também tem um grande problema em seu clímax, que, ironicamente, é bastante anticlimático. A conexão entre Indridi e Sigrid com LoveStar é falha. Além de as interações do casal principal ser bem desconfortável de ler.

No final, ficamos com a sensação de ter lido uma história audaciosa, rica e intrigante que poderia ter sido melhor desenvolvida. O trunfo de LoveStar está no ambiente.

Está em nos fazer pensar sobre como a sociedade lida com a morte, com o amor, com o nascimento, com deus e com a tecnologia.

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