O dia em que respondi uma carta de amor com uma piada cruel

Ontem, de repente, me vi lembrando do dia em que recebi uma carta de amor.

Nos filmes, as cartas de amor são declarações lindas que culminam nos protagonistas se beijando e declarando amor eterno. Porém, a carta que eu recebi veio no pior momento possível: eu tinha acabado de terminar com o garoto.

Foi em 2006, quando eu tinha 16 anos.

Ele era meu colega de classe. Era bonito, tinha os cabelos do Leonardo DiCaprio nos anos 1990 e o rosado das bochechas do Robert Pattinson em O Cálice de Fogo. Do mais puro nada, ele me chamou no MSN, flertando. Correspondi, mas sem segundas intenções porque ele nunca tinha chamado minha atenção.

O problema foi ele ter me feito sentir bem, sentado ao meu lado, me chamado para um canto da escola no intervalo e perguntado se podia me dar um beijo. Eu deixei, achei bonitinho, apesar de não ter gostado muito dos lábios dele.

Um mês depois de estarmos sentando juntos e nos beijando no intervalo, ele disse que me amava e me pediu em namoro. Eu falei de volta e aceitei. Na época, eu não sabia que estava confundindo amor com estar gostando de ficar com alguém.

Foi um momento de descoberta sem igual. Eu nunca tinha ficado tanto tempo com alguém. Ele foi meu primeiro namorado, o primeiro garoto que quis ficar comigo, a minha primeira referência do que era pensar num futuro com alguém.

Foi perto dos nossos seis meses de namoro que tudo começou a dar errado.

O que me fez entender que tinha terminado foi termos passado as férias de verão inteiras sem nos ver pessoalmente. Eu não fui na casa dele, ele não foi na minha. Não saímos para caminhar no bairro e mal nos falamos no MSN.

A verdade é que eu o estava evitando porque não queria um namorado. Eu queria poder paquerar, ficar com garotos diferentes e aproveitar a minha adolescência experimentando. Na mesma época, eu comecei a gostar mais da cena alternativa, o que constrastava com os gostos dele.

Quando voltamos a nos ver na escola, e nada parecia certo, eu o chamei e disse que estava na hora de terminar.

Não lembro se fui gentil e nem do que eu falei, mas lembro é que senti um peso sair dos meus ombros quando me despedi dele, que chorava enquanto eu não tinha derramado uma lágrima. É aquilo que dizem: lamentei o fim do relacionamento ainda estando nele.

Por isso, quando o garoto me entregou uma carta de amor, eu tive a pior reação.

Eu li as linhas bonitas e vulneráveis sem nenhuma paciência, achando um absurdo que ele tentasse aquele recurso quando eu já tinha deixado claro que não queria mais nada com ele. Não lembro de muita coisa do conteúdo, mas lembro que ele dizia que me amava e que queria um futuro comigo, que pensava em nós dois depois da formatura.

Nessa situação, eu lembro de não ter sido gentil.

No mesmo dia em que recebi a carta de amor, arranquei uma página do meu caderno e escrevi um parágrafo em garranchos de caneta preta sem cuidado algum. Comecei dizendo que entendia o que estava sentindo, mas que ele precisava superar.

Sentindo um arrepio de vergonha, confesso que escrevi que “Tudo passa. Até uva-passa. Então, o que você sente por mim também vai“.

Hoje, eu olho para esse fato com constrangimento e arrependimento porque não havia necessidade nenhuma de ser cruel e desdenhar do sentimento dele, ainda mais sendo ele o primeiro garoto que gostou de mim de verdade.

Mas essa é a vida, não é? A gente não nasce sabendo como navegar pela vida sem magoar os outros.

Eu sei que esse garoto, hoje, é um pai de família. Tem uma esposa e um filho, se formou na faculdade e leva uma vida simples. Ele deve estar bem.

Da minha parte, de vez em quando lembro dessa situação e torço para que ele não se lembre do dia em que respondi sua carta de amor com uma piada cruel.

Por causa da Pandemia, precisei reescrever um livro
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