Como uma fanfic de Harry Potter me fez perceber que não sou mais livre

Quando eu era adolescente, descobri o maravilhoso mundo da fanfic de Harry Potter.

Começou quando encontrei sem querer uma comunidade no falecido Orkut, na qual um garoto contava uma história sobre a filha de Bellatrix Lestrange e Lord Voldemort. Eu fiquei extremamente confusa porque não sabia daquele fato.

Então, perguntei na comunidade e descobri que a história que ele contava era uma ficção de fã.

A partir daquela descoberta, um novo mundo se abriu para mim. Eu descobri que podia escrever o que quisesse com personagens que já existiam e, o melhor de tudo, as pessoas tinham vontade de ler o que eu escrevia.

Então, comecei a colocar minhas ideias para fora.

Para minha primeira aventura, comecei uma história nada original na qual a filha de Hermione e Rony se apaixonava pelo filho de Draco Malfoy. Ela era inteligente como a mãe, mas temia nunca conseguir chegar aos pés dela. Ao mesmo tempo, Rose Weasley sofria com a pressão da família por estar próxima do filho de um antigo comensal da morte.

Eis que a garota encontrava um anel poderoso, que dava todas as respostas que ela precisava.

Essa fanfic foi publicada no Orkut, mas eu descobri a Floreios e Borrões, um site dedicado a publicar fanfic de Harry Potter em português, logo em seguida. Lá, eu fiz a festa.

Entre 2008 e 2012, escrevi mais de dez fanfics, todas explorando diferentes casais e diferentes gêneros literários.

Fui autora de contos curtos de romance sáfico, histórias longas de distopia, romances em mundos alternativos e adaptações de clássicos para o mundo de Harry Potter. Também tive vários projetos que não saíram do papel.

Foi uma época gostosa, em que eu escrevia o que queria, publicava sem me preocupar em saber como a história ia terminar e me alimentava semanalmente com os comentários dos meus leitores.

Hoje, várias das minhas histórias são recontos dessas tramas.

O romance que estou escrevendo foi a minha fanfic mais famosa, que contava a história de como Rose Weasley (dá para ver que eu tinha uma personagem favorita?) revê tudo o que ela acha que sabe sobre sua própria vida ao precisar voltar para a casa dos pais.

Olhando para essa fanfic agora, enquanto entendo como transformá-la em um romance original, pensei em como eu era uma escritora mais livre naquela época. Eu escrevia sem me preocupar, sem pensar no que editoras iam achar e no que o público ia dizer nas redes sociais.

Ser uma escritora de fanfic significava colocar para fora tudo o que eu queria dizer, todas as mensagens que eu queria passar, sem hesitação.

Minhas fanfics de Harry Potter, cheias de buracos no plot e que, definitivamente, poderiam ser melhor escritas, me fizeram perceber o quão livre eu era. Eu não ficava receosa, eu só queria compartilhar minha paixão pelas histórias.

Pensar nisso me deixou um pouquinho triste hoje. Isso porque, nesse exato momento, eu tenho todo um plano para me tornar uma escritora publicada de forma tradicional.

Esse plano é formado de uma série de passos e pequenas tarefas que eu preciso completar para conseguir um contrato com uma editora tradicional.

Mesmo que eu adore ser uma autora independente, já que eu consigo participar de todo o processo, desde a escrita até a divulgação, estou cansada e queria um pouco de descanso das responsabilidades do marketing literário.

O problema é que esse plano me encara todos os dias e me limita, me fazendo sentir presa. Aí, a gente chega numa encruzilhada: o que vale mais a pena?

Eu sou uma adulta agora, sei que se eu quiser fazer a carreira de escritora dar certo, não posso pensar na escrita apenas como uma forma de expressão. Eu sei que preciso ver a literatura como trabalho.

Ao mesmo tempo, tenho experiência de vida suficiente para saber que tudo que se transforma em trabalho fica um pouco mais triste. É… quem diria que ter escrito fanfic de Harry Potter há mais de uma década me faria ter uma crise existencial hoje?

A ânsia de ser uma pessoa low profile neste mundo conectado
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