Como um gênero inteiro de livros escritos por mulheres desapareceu

Amatory Fiction (“Ficção Amatória“, em tradução livre) é um gênero de livros escritos por mulheres que ficou popular nas ilhas britânicas entre o final do século XVII e início do século XVIII.

O foco central deste gênero estava no amor, no romance e no sexo.

Dominado pelas mulheres, tanto no papel de leitoras quanto escritoras, a Amatory Fiction foi um movimento que buscava questionar os papeis de gênero e o lugar da mulher na sociedade.

O que faz esse gênero ser tão interessante, e o que fez com que fosse esquecido, é que era formado por livros escritos por mulheres e para mulheres. Ou seja, os romances exploravam temas como sexualidade, prazer feminino e a autonomia da mulher na sociedade.

Conto, romance e novela: qual é a diferença entre eles?

Como a Amatory Fiction rompeu com a norma?

Até o momento de criação da Amatory Fiction, o estilo típico de narrativas envolvendo personagens femininas era o da mulher arruinada.

Nesse tipo de história, as mulheres são seduzidas, enganadas e terminam suas histórias arruinadas por terem tido relações sexuais fora do casamento. Era comum terem um fim trágico, como a morte.

O que essas narrativas sempre trouxeram foi o reforço de que o papel feminino estava no casamento e na obediência aos homens, e que fugir dessa trajetória poderia dar um fim trágico a elas.

O que fez a Amatory Fiction surgir, então, foi a seguinte pergunta: e se a heroína das histórias gostasse de sexo e não tivesse um fim trágico (na maior parte das vezes)?

Os livros escritos por mulheres nesse gênero questionavam a literatura de cautela, então narravam histórias que colocavam a mulher em lugares antes inimagináveis, especialmente em aventuras fora de ambientes domésticos, explorando o prazer feminino.

Os livros escritos por mulheres que formaram a Amatory Fiction

Existiam três principais autoras escrevendo Amatory Fiction no período: Eliza Haywood, Aphra Behn e Delarivier Manley. Elas eram conhecidas como “o triunvirato justo da sagacidade”.

Um dos romances mais populares e escandalosos da época era obra de Aphra Behn. History of the Nun or The Fair Vow Breaker contava a história de uma mulher chamada Isabella que, depois de algumas desventuras, se torna uma assassina.

Ela é enviada para um convento quando sua mãe morre e, enquanto está sendo treinada como freira, se apaixona por um homem chamado Henault. Os dois se casam, cometem crimes e ambos se veem desgraçados socialmente.

Então, para amenizar a situação, Henault vai para o exército e Isabella recebe a notícia de que ele morreu. Ela se casa, então, com um homem rico chamado Villenoys. Nesse meio tempo, Henault, que não estava morto, retorna, e Isabella, com medo de ser acusada de bígama, mata Henault.

No fim, Isabella, que quase consegue se provar inocente, acaba confessando e é executada.

Mais um dos romances mais bem sucedidos do período é Fantomina or Love in a Maze, de Eliza Haywood. O romance conta a história de uma mulher que começa a ter um caso com um homem, Beauplasier, depois de uma noite no teatro.

Um dia, Beauplasier fica entediado e desaparece da vida da protagonista. Ela, porém, não aceita aquilo e começa a utilizar disfarces para ir atrás de Beauplasier e seduzi-lo novamente.

Ela consegue todas as vezes e, em determinado momento, os dois ficam entediados do caso e se separam. Entretanto, a protagonista fica grávida e, por insistência de sua mãe, conta a situação para Beauplasier. Ele propõe casamento, mas a protagonista não aceita e tem seu filho em um convento.

Mas nem só de romances vivia a Amatory Fiction.

A terceira perna do triunvirato justo da sagacidade, Delarivier Manley, colecionava histórias satíricas e alegóricas sobre o parlamento e pessoas proeminentes na alta sociedade.

A mais famosa delas é In The New Atalantis, uma saga satírica onde duas deusas, Justiça e Virtude, descem à Terra para observar, horrorizadas, atos humanos como orgias, seduções e violências.

Com o romance, Manley zombou especialmente de Sarah Churchill, Duquesa de Marlborough e favorita da Rainha Anne na época. Pela corte, existiam boatos de que Sarah e a rainha tinham um caso e, quando ouviu sobre a história de Manley, a duquesa pediu a prisão dela.

Já presa, a autora disse que o livro não passava de ficção e, com medo de que a luta contra o livro aumentasse os boatos, Sarah retirou suas queixas e Manley foi libertada.

É importante dizer que, em determinado momento da história, o livro Love In Excess, de Eliza Haywood, figurou entre os mais populares junto à Robinson Crusoé As Viagens de Gulliver.

Como foi que a Amatory Fiction desapareceu?

Como era de se esperar, em seu tempo, a Amatory Fiction foi considerada altamente imoral.

As histórias do gênero eram narrativas que permitiam que mulheres tivessem vidas sexuais e casos extraconjugais, e numa época em que o prazer feminino precisava ser punido, isso era uma afronta.

Por conta do olhar da moralidade, o papel das mulheres que participavam do movimento foi diminuído diante da história da literatura, e as histórias escritas por elas foram consideradas produtos de segunda linha, embora tivessem bastante sucesso entre as leitoras.

Embora criado por e para mulheres, o gênero literário não foi defendido por todas as mulheres.

Na época, era comum que escritoras se declarassem contra a Amatory Fiction, tudo em prol de continuar escrevendo com a aprovação dos homens.

Do lado dos escritores, também houve um movimento contra esses livros escritos por mulheres.

Segundo Dieter Schulz, estudioso literário da época, diversos romances foram escritos por autores homens como resposta, e alternativa, à Amatory Fiction. Entre eles, estavam Daniel Defoe, Henry Fielding e Samuel Richardson.

Como eram histórias sobre mulheres vivendo suas vidas de forma mais ativa, decisiva e arriscada para as normas da época, a Amatory Fiction foi vista como um problema a ser resolvido.

Uma das táticas foi escrever histórias parecidas com as já contadas na Amatory Fiction, mas mudando a moral da história e colocando a mulher em seu lugar de esposa virtuosa. Personagens que saíssem desse papel, recebiam a devida punição.

Essa foi uma maneira de os leitores, especialmente as mulheres, continuarem consumindo uma literatura mais ousada, mas deixando a Amatory Fiction de lado.

Outra tática eram os ataques às autoras que se mantinham escrevendo o gênero. Era comum que elas fossem referenciadas como “as prostitutas da caneta” por jornais e críticos da época.

Assim, unindo ataques à moral das autoras e escrevendo romances de substituição, os livros escritos por mulheres dentro da Amatory Fiction foram esquecidos.

A redescoberta do gênero só aconteceu no início do século XX, quando autoras feministas, como Virgínia Woolf, trouxeram essa literatura à tona novamente.

Hoje, na Inglaterra e nos EUA, existem muito pesquisadores estudando os trabalhos de autoras como Haywood, Behn e Manley, assim como seu contexto e sua contribuição para a literatura mundial.

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