Oryx e Crake é um livro de ficção científica que explora avanços tecnológicos, os defeitos na biologia e psicologia humanas, o poder da narrativa e os horrores que tempos difíceis trazem para o homem.
O livro, lançado em 2003, é o primeiro da trilogia MaddAdão, e segue o Homem das Neves, um sobrevivente da raça humana em um mundo devastado, ocupado apenas pelos Crakers.
Como LoveStar, de Andri Snaer Magnason, se perde na ambientação
A narrativa do livro explora as memórias do Homem das Neves, que agora vive com os Crakers no litoral, mas que era conhecido como Jimmy antes da epidemia que assolou o mundo.
Enquanto leitores, nós acompanhamos toda a vida de Jimmy e temos uma ideia de como as indústrias funcionavam nesse mundo, que era baseado em complexos científicos.
Nesses complexos aconteciam invenções e o desenvolvimento de novas tecnologias. Fora deles, as cidades eram lugares pobres, propensos a doenças e crimes, onde viviam as pessoas comuns.
Jimmy cresceu em um complexo científico, seus pais desenvolviam produtos e inovações, e durante a história acompanhamos tudo o que ele via sendo produzido dentro dos complexos.
Além de remédios para doenças inventadas, Jimmy nos conta sobre monstruosidades como os porcões (que eram criados como incubadoras de órgãos extras para seres humanos) e um tipo de frango sintético que crescia sem cabeça e membros, apenas partes com carne consumível.
Dentro dos complexos, também era fácil encontrar drogas para estimular e exibir traços humanos.
O plano de Crake
É nesse contexto que aparece Crake, o melhor amigo de Jimmy e um gênio da ciência.
Enquanto o protagonista é um homem das letras, estuda retórica na faculdade e trabalha como publicitário, Crake é um cientista que trabalha com o desenvolvimento de tecnologias biológicas.
Eles se conheceram na adolescência e as trocas entre os dois são sempre interessantes porque Jimmy e Crake estão sempre de lados opostos em uma discussão.
Crake enxerga os humanos como fracos e falhos, enquanto Jimmy pensa no motivo para isso. Crake quer consertar a raça humana, enquanto Jimmy quer ver no que vai dar. Dessa forma, Crake decide criar uma nova especie de seres.
Na segunda metade do livro, Crake cria os Crackers.
E essa é uma revelação bastante esperada porque, desde a primeira página, ficamos curiosos em saber quem são aquelas criaturas diferentes e por que Jimmy está contando essa história.
Para Crake, essa nova raça é o que vai salvar a vida humana na Terra. Por isso, ele desenvolveu os Crakers corrigindo os erros encontrados nos humanos. Os Crakers não sofrem com ganância, luxúria, sentimento de propriedade e têm mecanismos de proteção no próprio corpo.
Por exemplo, a pele deles é mais grossa, aguentando melhor os raios solares. Eles também têm urina que afasta predadores e entram no cio de tempos em tempos, sem ter prazer no sexo.
A presença de Oryx
Nesse momento, precisamos abrir um parênteses para falar sobre Oryx.
A primeira vez em que ouvimos falar nessa personagem é quando Jimmy escuta a voz dela em seu pensamento e, aos poucos, vamos descobrindo o motivo.
Oryx teve seu primeiro contato com Jimmy e Crake quando os dois estavam navegando na internet atrás de pornografia. Ela era uma das estrelas de um filme adulto quando tinha cerca de oito anos.
A história de Oryx é cheia de situações de abuso. Quando era criança, ela foi comprada por uma gangue e, quando a gangue foi diluída, Oryx foi vendida para a indústria pornô. Por sua vez, quando essa indústria foi diluída, Oryx foi vendida para um norte-americano e mantida em cativeiro.
Depois de anos de abuso, ela é resgatada por Crake se torna sua amante e representante comercial.
Ela tem um papel bastante importante na criação dos Crakers porque é vista como uma mãe por eles. Enquanto estavam em laboratório, Oryx visitava os seres, conversava com eles e os ajudava a entender como seus corpos funcionavam.
A narração de Jimmy
Por tudo isso, Oryx e Crake são figuras adoradas pelos Crakers e personagens centrais das narrativas de Jimmy, que toma a forma do Homem das Neves para as criaturas.
Como é um homem das letras, ele cria um mito de criação para os Crakers e para si.
Enquanto estavam no laboratório, as criaturas não conheciam seu criador, apenas sua figura materna. Para eles, Oryx e Crake eram divindades.
Oryx era a mãe bondosa, que ensinava aos filhos como aproveitar o mundo ao seu redor e quem dava comida a eles. Por sua vez, Crake era um pai autoritário e poderoso, que os colocou naquele mundo e os fez do jeito que são.
Quando Jimmy se torna o responsável pelos Crakers, ele dá continuidade a essa narrativa. Jimmy se torna um porta-voz de Oryx e Crake, trazendo palavras e mandamentos para os novos seres.
Tudo, claro, que se encaixa na narrativa que ele precisa construir.
Quando está com fome, ele diz para os Crakers que Crake pediu que eles lhe dessem um peixe, quando os Crakers perguntam como o Homem das Neves fala com Crake, ele mostra o relógio de pulso e diz que a voz vem por ali.
É bastante interessante observar como a mente de Jimmy funciona para criar as histórias.
Ele está sempre tomando cuidado com o que diz porque não pode haver contradições naquela narrativa, Crake precisa continuar como o mito que é, assim como Oryx. Isso mostra como uma simples narrativa pode ser poderosa e perigosa, se utilizada de maneira errada.
Impressões sobre “O Fim da Eternidade”, de Isaac Asimov
